quarta-feira, 1 de abril de 2015

Flor-de-Novembro* 
Parte II - Carolina

     Era Maria João pra cá, Maria João pra lá. Muito embora odiasse que a chamassem assim – ela sempre repetia enfezada: “JULIANA” – nada fazia para melhorar sua imagem. É que com o tempo, Juliana passou a achar que até não era mau não ter tanto cabelo para se preocupar, para lavar, para pentear. Quando a mãe tentou deixar seu cabelo crescer novamente ela não o quis mais. Quando a mãe se recusou a cortar, ela mesma o fez. Continuava de calção, camiseta e pés descalços, correndo com os meninos atrás de uma bola ou de uma pipa pelas ruas e becos da vizinhança. Achava melhor companhia e preferia parecer com os moleques. Talvez, de se achar tão feia tentava-se disfarçar entre os meninos. Como o disfarce fora dando certo, a menina foi nutrindo a ideia de mantê-lo. E quando as coleguinhas de escola começaram a usar maquiagens e a namorar os meninos mais velhos, Juliana tomou sua decisão: esconder-se-ia para sempre dos olhos do mundo.
Embora ocultasse de todos qualquer traço de delicadeza e feminilidade, Juliana possuía desde sempre o desejo latente de ser mãe. A ideia da maternidade a encantava. Mas como ela poderia se tornar mãe um dia? Juliana achava ser impossível que algum homem sentisse atração por ela. Quando pequena, ao chegar em casa após os folguedos e as estrepolias com os meninos, agarrava as duas ou três velhas bonecas que possuía e punha-se a alimentá-las, banhá-las, vesti-las. Costurava-lhes roupas com os retalhos de pano de sua mãe. E as enfeitava. Brincos, anéis, colares e broches, maquiagens, esmaltes e batons. Para elas jurara que haveria de ser mãe e que, quando fosse, seria a melhor mãe do mundo e sua filha, a mais linda, a mais paparicada, a mais enfeitada dele.
Agora que crescia e seu corpo começava a despejar sobre ela uma torrente interminável de hormônios, Juliana achava-se ainda mais estranha, menos atraente. E suas colegas todas rodeadas de meninos. Especialmente Carolina. Juliana sempre estivera rodeada de meninos, mas não da mesma forma. Nenhum deles a olhava como olhavam para “Carol”. As coisas não estavam mais tão claras; não mais pareciam tão divertidas as conversas tolas sobre futebol e carros. Tudo mudara, a não ser o desejo de se tornar mãe. Mas, como? Que garoto iria se interessar por uma coisa desengonçada, esquisita como ela? Um aperto diferente invadiu seu coração, algo que ela nunca sentira antes. Era como a tristeza que sempre a acompanhara, porém mais intensa, mais dolorosa e retirava de tudo o brilho.
– Maria João! Maria João!
– JULIANA!
– Ui... Juliana... Você não quer ir lá em casa hoje?
– Pra que, Carolina?
– É que meu pai tá reformando a casa e ele vai precisar de um servente de pedreiro.
      Os risos e chacotas há muito se tornaram insuportáveis. Já era hora de deixar Carolina e aquilo tudo para trás. Juliana largou a escola e arrumou um emprego.


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* Baseado em conto homônimo publicado na antologia do 13º Prêmio Escriba de Contos (2013), de Piracicaba - SP

Leia a primeira parte desta história aqui



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