quinta-feira, 23 de abril de 2015

Paixão Lusitana: 
Sensualidade Na Poesia

A sensualidade na poesia portuguesa ainda é tratada com alguma timidez. Distinta da poesia erótica, mais ousada e manifestamente acalentada, oposta à poesia popular brejeira, a qual passa de boca em boca entre os fervorosos adeptos, os poemas de sensualidade subtil quase que se deixam ficar na sombra. Como algumas mulheres tão bem sabem (homens também) no gesto sensual trata-se de levantar a ponta do véu, insinuar, provocar a beleza, criar a imagem de uma esteira de pétalas brancas em vez de remeter o momento poético para sedas encarnadas. Elegante, requintada, a poesia sensual é plenamente conseguida e digna do maior aplauso quando as palavras criam tal imagem. Contudo, dos lábios que sorriem timidamente quando a lêem, não saem comentários tão facilmente como com outro género de poesia. Recato lusitano? Talvez ...
Tenho o maior prazer em trazer Beijo a beijo, de Rosa Lobato Faria, Vou tentar descobrir a suavidade das sedas no céu da boca, de Élia Morais de Araújo e Ternura de David Mourão Ferreira.



Beijo a Beijo

E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias.
O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.
As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.
Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.
E tudo o que me dás eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos.

Rosa Lobato Faria, in 'Dispersos'




Vou tentar descobrir 

a suavidade das sedas no céu da boca.

Move-se
o mistério dessa voz irresistível 
a trincadela deliciosa 
curiosa 
destemida!


o charme...

um sismo que arde

nos lábios 

dois dedos 
e uma tulipa rubra
quase negra
como o desejo
que se lê
louco
aromático
impaciente!

Élia Morais Araújo





Ternura

Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!


David Mourão-Ferreira, in "Infinito Pessoal"

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